"Estava trabalhando e chegaram dois indivíduos com metralhadora, encostaram nas minhas costas, já me algemaram. Na hora em que cheguei à sala de segurança da Volkswagen já começou a tortura, já comecei a apanhar ali, comecei a levar tapas, socos", contou Lúcio Bellentani, funcionário da Volkswagen de São Bernardo do Campo, à Comissão Nacional da Verdade (CNV).
O caso que ocorreu em 1972 foi descrito no relatório final da CNV, a qual investigou violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar no Brasil. No documento de mais de 3.000 páginas, um capítulo é dedicado às violações contra trabalhadores, e outro mostra a cooperação de empresas com o regime.
O relatório revela a existência de um aparato repressivo militar-empresarial, na qual as firmas monitoravam funcionários, repassando informações e fazendo denúncias ao Departamento de Ordem Política e Social (o DOPS). Além disso, indica empresas que contribuíram moralmente e financeiramente com o golpe de 1964 e com a Operação Bandeirante (OBAN), um aparelho de repressão montado pelo Exército.
'É importante ter em vista que as práticas colaborativas mencionadas constituíram caminhos quotidianos para as graves violações. Foi a partir do controle, vigilância, monitoramento, das listas sujas e das delações, que trabalhadores foram presos, torturados, assassinados e vítimas de desaparecimentos forçados', afirma o documento.
Delações e criminoso nazista
Várias empresas nacionais e multinacionais são citadas no relatório. Entre as alemãs estão a Volkswagen, Mercedes-Benz e Siemens. As três são apontadas por contribuir com recursos à Oban.
O documento, no entanto, apresenta com mais detalhes a participação da Volkswagen e sua contribuição com o regime militar: 'Sobre a Volkswagen do Brasil, existe ainda uma profusão de documentos que comprovam a cooperação da empresa com órgãos policiais de segurança do DOPS.'
Além disso, o relatório traz a revelação do caso de tortura praticado dentro da fábrica em São Bernardo do Campo e da prisão do criminoso de guerra Franz Paul Stangl em 1967, enquanto ele trabalhava na mesma unidade da Volkswagen.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Stangl foi o comandante dos campos de extermínio Sobibor e Treblinka, na Polônia. O nazista chegou ao Brasil em 1951 e depois de alguns anos foi contratado pela Volkswagen, onde era o responsável pela montagem do setor de vigilância e monitoramento da fábrica em São Bernardo do Campo, segundo o documento da CNV.
Para a historiadora alemã Nina Schneider, da Universidade de Constança [cidade universitária no sul da Alemanha e a maior cidade nos arredores do Lago de Constança], ainda não está esclarecido até que ponto a sede da Volkswagen na Alemanha sabia do envolvimento da filial no Brasil com o regime militar. 'Isso ainda tem que ser apurado. Mas a Volkswagen alemã vai ter que lidar com esse caso, porque algumas pessoas pedem a responsabilização das empresas.'
A Volkswagen irá investigar
O diretor do departamento de comunicação histórica da Volkswagen na Alemanha, Manfred Grieger, disse à Deutsche Welle que a empresa irá investigar 'todos os indícios de uma possível participação de funcionários da Volkswagen do Brasil em violações de direitos humanos durante a ditadura militar', assim como identificar os responsáveis por esses atos.
'A Volkswagen lamenta muito que pessoas tenham sofrido ou tenham sido prejudicadas economicamente durante a ditadura militar, eventualmente, por meio da participação de funcionários da Volkswagen do Brasil', afirma Grieger.
Adaptamos reportagem de Clarissa Neher, publicada por Deutsche Welle, a agência pública alemã de rádio e TV
Contribuição de Marko Ajdaric